I - A Ortodoxia
É a autêntica religião cristã pregada por Nosso Senhor Jesus, o Cristo, transmitida pelos Apóstolos a seus próprios sucessores e aos fiéis, e preservada zelosamente em sua pureza cristalina pela Igreja Ortodoxa, através dos séculos.
É a doutrina certa e justa, compreendida sem subtração e sem acréscimo nas Sagradas Escrituras, na Tradição e nos Sete Concílios Ecumênicos.
É a doutrina ensinada e pregada pela Igreja Ortodoxa para glorificar a Deus e salvar as almas, segundo a vontade do Cristo.
Chama-se ORTODOXIA a doutrina que observa os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, reverenciados e propagados pela Igreja Ortodoxa.
II - Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica
A Igreja Ortodoxa é a sociedade sobre a fé dos doze Apóstolos para os fiéis cristãos que obedecem aos canônicos pastores e vivem unidos pelos elos da Doutrina, das Leis de Deus, da Hierarquia divinamente instituída e da prática dos Sacramentos.
A Igreja Ortodoxa professa a Doutrina autêntica de Nosso Senhor Jesus Cristo, tal e qual nos foi revelada e exercida pelos Apóstolos no primeiro século da era cristã, então na Palestina e cidades de Jerusalém, Damasco e Antioquia. Obedece aos mandamentos, procede de acordo com a vida da Graça que nos legou por Sua morte e edificou pelos sacramentos, crê na vida eterna, observa os ensinamentos dos Sete Concílios Ecumênicos e persiste estreitamente unida a seus pastores, bispos e demais sacerdotes ortodoxos, continuadores em linha reta da obra dos Apóstolos. Reconhece como Chefe Único da Igreja, e sem comparsas ou legatários, a Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos dirige, ensina e eleva. É depositária da Doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo e prossegue em todo o mundo a Sua obra de amor e Salvação. Ensina as verdades nas quais devemos crer firmemente, os deveres que havemos de cumprir e os meios a aplicar para moralizar-nos e nos santificar.
A Igreja Ortodoxa Oriental reúne as quatro características que distinguem a Verdadeira Igreja: Una, Santa, Católica e Apostólica. Durante vinte séculos, manteve inalteráveis os sacramentos, as próprias doutrinas e os mesmos pastores que são sucessores dos Apóstolos. A designação Ortodoxa procede do fato de ela crer e ensinar corretamente a doutrina do Cristo. Conservou-se exemplarmente na doutrina, desde a pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo, até o dia de hoje. Desempenha a primazia de honra da Igreja o Patriarca Ecumênico de Constantinopla.
Deus prometeu à Sua Igreja a assistência do Espírito Santo e a Sua união com ela até a consumação dos séculos, a fim de não cair no erro nem falhar nos seus ensinamentos.
III - A Sagrada Escritura
e a Santa Tradição
As fontes de onde se extrai a Fé Ortodoxa são: a Sagrada Escritura e a Santa Tradição.
A Sagrada Escritura é a Doutrina de Deus revelada ao gênero humano por intermédio dos patriarcas, dos profetas e dos apóstolos, e se acha exarada no Antigo e no Novo Testamentos.
Na Sagrada Escritura, as palavras dos profetas e dos apóstolos penetram em nossos corações, como se fossem verdades proferidas dos próprios lábios desses santos homens, apesar dos séculos e milênios decorridos da data do registro dessas obras divinas.
O mais antigo meio de divulgação da Revelação Divina foi a Santa Tradição. Desde o tempo do primeiro homem, Adão, até Moisés, não havia nenhuma Sagrada Escritura. Nosso Senhor Jesus Cristo, o próprio Salvador, transmitiu aos Apóstolos seus divinos ensinamentos através de sermões e parábolas, e não por meio de livros. Assim, no começo, procederam os Santos Apóstolos que divulgaram, verbalmente, as Verdades Divinas, edificando deste modo as bases da Santa Igreja. A razão do registro da Sagrada Escritura foi para conservar, de maneira precisa e inalterável, a Revelação Divina.
A Santa Tradição é o conjunto de verdades reveladas por Deus, porém não consignadas na Sagrada Escritura; são transmitidas oralmente de geração em geração. Hoje, encontramo-la divulgada, por escrito ou por símbolos, nos concílios, liturgias, costumes, monumentos, pinturas, leis eclesiásticas, bem como através de sentenças e epístolas ensinadas pelos Santos Pais da Igreja.
Em resumo, a Tradição Apostólica encontra-se manifestada:
a) nos Sete Concílios Ecumênicos;
b) nos Santos Pais da Igreja e Escritos Cristãos;
c) no Símbolo dos Apóstolos;
d) no Símbolo Niceno-Constantinopolitano;
e) no Símbolo de Santo Anastácio;
f) na Liturgia da Igreja;
g) nos monumentos, pinturas e arqueologia cristãos;
h) nos livros simbólicos da Ortodoxia:
- a confissão ortodoxa de Pedro Moghila;
- a confissão ortodoxa de Dositeu, Patriarca de Jerusalém, 1672; e
- o catecismo de Filareto de Moscou.
i) no magistério permanente da Igreja;
j) na legislação eclesiástica; e
l) nos costumes e usos cristãos.
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Mesmo que tenhamos a Sagrada Escritura, devemos seguir a Santa Tradição, que está diretamente ligada a ela e unida à Revelação Divina. A própria Sagrada Escritura no-lo ensina: "Então, irmãos, sede firmes e conservai as tradições que lhes foram ensinadas, seja por palavras, seja por epístolas" (Tes II,15).
IV - Diferenças Doutrinais
entre a Igreja Ortodoxa e a Romana
Constitui diferença fundamental a infalibilidade papal e a pretensa supremacia universal da jurisdição de Roma, que a Igreja Ortodoxa não admite, pois ferem frontalmente a Sagrada Escritura e a Santa Tradição.
Existem, ainda, outras distinções, abaixo relacionadas em dois grupos básicos:
a) diferenças gerais; e
b) diferenças especiais.
Uma idéia dessas diferenças é contida na seguinte resenha esquemática, de cuja leitura se infere uma possibilidade de superação, quando pairar, acima das paixões, o espírito de fraternidade que anima o labor dos verdadeiros cristãos.
Diferenças Gerais:
São dogmáticas, litúrgicas e disciplinares.
- A Igreja Ortodoxa só admite sete Concílios, enquanto a Romana adota vinte.
- A Igreja Ortodoxa discorda da procedência do Espírito Santo do Pai e do Filho; unicamente do Pai é que admite.
- A Sagrada Escritura e a Santa Tradição representam o mesmo valor como fonte de Revelação, segundo a Igreja Ortodoxa. A Romana, no entanto, considera a Tradição mais importante que a Sagrada Escritura.
- A consagração do pão e do vinho, durante a missa, no Corpo e no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, efetua-se pelo Prefácio, Palavra do Senhor e Epíclese, e não pelas expressões proferidas por Cristo na Última Ceia, como ensina a Igreja Romana.
- Em nenhuma circunstância, a Igreja Ortodoxa admite a infalibilidade do Bispo de Roma. Considera a infalibilidade uma prerrogativa de toda a Igreja e não de uma só pessoa.
- A Igreja Ortodoxa entende que as decisões de um Concílio Ecumênico são superiores às decisões do Papa de Roma ou de quaisquer hierarcas eclesiásticos.
- A Igreja Ortodoxa não concorda com a supremacia universal do direito do Bispo de Roma sobre toda a Igreja Cristã, pois considera todos os bispos iguais. Somente reconhece uma primazia de honra ou uma supremacia de fato (primus inter pares).
- A Virgem Maria, igual às demais criaturas, foi concebida em estado de pecado original. A Igreja Romana, por definição do papa Pio IX, no ano de 1854, proclamou como "dogma" de fé a Imaculada Concepção.
- A Igreja Ortodoxa repele a agregação do "Filioque", aprovado pela Igreja de Roma, no Símbolo Niceno-Constantinopolitano.
- A Igreja Ortodoxa nega a existência do limbo e do purgatório.
- A Igreja Ortodoxa não admite a existência de um Juízo Particular para apreciar o destino das almas, imediatamente, logo após a morte, senão um só Juízo Universal.
- O Sacramento da Santa Unção pode ser ministrado várias vezes aos fiéis em caso de enfermidade corporal ou espiritual, e não somente nos momentos de agonia ou perigo de morte, como é praticado na Igreja Romana.
- Na Igreja Ortodoxa, o ministro comum do Sacramento do Crisma é o Padre; na Igreja Romana, o Bispo, extraordinariamente, o Padre.
- A Igreja Ortodoxa não admite a existência de indulgências.
- No Sacramento do Matrimônio, o Ministro é o Padre e não os contraentes.
- Em casos excepcionais, ou por graves razões, a Igreja Ortodoxa acolhe a solução do divórcio.
- São distintas as concepções teológicas sobre religião, Igreja, Encarnação, Graça, imagens, escatologia, Sacramentos, culto dos Santos, infalibilidade, Estado religioso...
Diferenças especiais:
Ademais, subsistem algumas diferenças disciplinares ou litúrgicas que não transferem dogma à doutrina, tais seriam, por exemplo, as seguintes:
- Na Igreja Ortodoxa, só se permitem ícones nos templos.
- Os sacerdotes ortodoxos podem optar livremente entre o celibato e o matrimônio.
- O batismo é por imersão.
- No Sacrifício Eucarístico, na Igreja Ortodoxa, usa-se pão com levedura; na Romana, sem levedura.
- Os calendários ortodoxo e romano são diferentes, especialmente, quanto à Páscoa da Ressurreição.
- A comunhão dos fiéis é efetuada com as espécies, pão e vinho; na Romana, somente com pão.
- Na Igreja Ortodoxa, não existem as devoções ao Sagrado Coração de Jesus, Corpus Christi, Via Crucis, Rosário, Cristo-Rei, Imaculado Coração de Maria e outras comemorações análogas.
- O processo da canonização de um santo é diferente na Igreja Ortodoxa; nele, a maior parte do povo atua no reconhecimento de seu estado de santidade.
- Existem, somente, três ordens menores na Igreja Ortodoxa: leitor, acólito e sub-diácono; na Romana, quatro: ostiário, leitor, exorcista e acólito.
- O Santo Mirão e a Comunhão na Igreja Ortodoxa se efetuam imediatamente após o Batismo.
- Na fórmula da absolvição dos pecados no Sacramento da Confissão, o sacerdote ortodoxo absolve não em seu próprio nome, mas em nome de Deus - "Deus te absolve de teus pecados"; na Romana, o sacerdote absolve em seu próprio nome, como representante de Deus - "Ego absolvo a peccatis tuis...".
- A Ortodoxia não admite o poder temporal da Igreja; na Romana, é um dogma de fé tal doutrina.
Os Dez Mandamentos
A Santa Igreja Católica Apostólica Ortodoxa conservou os dez mandamentos da Lei de Deus em sua forma original, sem a menor alteração. O mesmo não sucedeu com o texto adotado pela Igreja Católica Apostólica Romana, no qual os dez mandamentos foram arbitrariamente alterados, ficando totalmente eliminado o segundo mandamento e o último dividido em duas partes, formando dois mandamentos distintos. Esta alteração da Verdade constitui um dos maiores erros teológicos desde que a Igreja Romana cindiu a união da Santa Igreja Ortodoxa no século XI. Esta modificação nos dez mandamentos, introduzidos pelos papas romanos, foi motivada pelo Renascimento das artes. Os célebres escultores daquela época tiveram, assim, amplo setor de atividades artísticas, originando obras de grande valor e estimação. Não obstante, as esculturas representando Deus, a Santíssima Virgem Maria, os santos e os anjos, estavam em completo desacordo com o segundo mandamento de Deus. Havia, pois, duas alternativas, ou impedir a criação de estátuas ou suprimir o segundo mandamento. Os papas escolheram esta última solução, caindo em grave erro.
V - SER ORTODOXO
- É ortodoxo quem pertence à sociedade dos fiéis cristãos que, unidos pela fé ortodoxa, seguem os ensinamentos e a
doutrina da Igreja Ortodoxa e obedecem a seus Pastores em tudo o que é concernente à Glória de Deus e à Salvação da alma.
É ortodoxo quem vive a fé e pratica as virtudes pregadas pela Igreja Ortodoxa, à qual foi agregado como filiado por meio do Batismo ministrado por seus sacerdotes. Assiste nas Igrejas Ortodoxas a todas as cerimônias, recebe os sacramentos, escuta a voz de Deus através dos pastores e empenha-se em viver do culto e da Graça derramada sobre todos os crentes.
É ortodoxo quem ama o Verdadeiro Deus e ama a Jesus Cristo e a Sua doutrina, conforme o ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Ortodoxa.
Em outra ordem de considerações, é chamado ortodoxo aquele que crê retamente (a palavra grega "ortodoxia" significa
DOUTRINA RETA).
VI-FUNDAÇÃO DA IGREJA ORTODOXA
Fundada por Cristo sobre a fé de Seus doze Apóstolos, a Igreja Ortodoxa nasceu no ano 33 da era cristã, dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo apareceu aos Apóstolos reunidos no Cenáculo como línguas de fogo. A Igreja Cristã Ortodoxa nasceu com Cristo e seus Apóstolos e não com Fócio no ano 858, nem com Miguel Cerulário, em 1054, como equivocada e erroneamente alguns propagam.
A Igreja Ortodoxa surgiu na Palestina com Jesus Cristo, expandiu-se com os Apóstolos e se edificou sobre o sangue dos mártires. Não teve sua origem na Grécia ou outra região ou país que não seja a Palestina. Ela não morre, porque vive e descansa em Cristo e tem a promessa divina de que existirá até o fim dos séculos. Em vão, os seus inimigos e todos os corifeus da impiedade trataram de destruí-la, negá-la, perseguí-la. À semelhança de seu Divino Mestre e fundador Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja Ortodoxa, desde seu nascimento, tem padecido e sofrido terríveis perseguições debaixo do jugo do Império romano, passando pelo muçulmano turco, até nossos dias. O sangue de infinidade de mártires tem selado e provado ao mundo a sublimidade de seu amor, a perfeição e a veracidade de sua doutrina divina. Apesar de todas as campanhas, sempre subsistiu e triunfou. Vive e viverá eternamente em Cristo e, confiante, seguirá com Suas palavras: "Eu estarei convosco até a consumação dos séculos, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela".
Foi na cidade de Antióquia onde os primeiros crentes em Jesus Cristo começaram a chamar-se, pela primeira vez, Cristãos, denominação digna e saudável que usamos até hoje (At XI,26). Logo após, a prédica cristã chegou até Roma, capital do Império Romano, onde o Apóstolo São Paulo formou a primeira comunidade cristã, constituída de várias famílias que ele enumera e saúda na sua Epístola aos Romanos, Capítulo XVI. Da cidade de Roma, o Evangelho foi propagado para todo o Ocidente e outras partes do mundo.
Os bispos exerciam a administração dos cristãos; aquele que mais autoridade tinha em sua região, usava o título de Patriarca. Eram cinco os Patriarcas que o mundo cristão tinha nos primeiros séculos: de Roma, Constantinopla, Alexandria, Antióquia e Jerusalém. Todos eles, com iguais direitos, eram independentes na administração de suas respectivas regiões e, iguais entre si, considerando-se primeiro entre iguais "primus inter pares", o Patriarca de Roma, pela condição de ser a capital do Império (I Concílio Ecumênico, art. 6; II Concílio Ecumênico, art. 3; IV Concílio Ecumênico, art. 28; VI Concílio Ecumênico, art.36). A mais alta autoridade da Igreja Cristã era, e ainda continua a sê-lo, o Concílio Ecumênico, cujas decisões são obrigatórias para toda a Igreja.
O triunfo do Cristianismo se determinou no terceiro século após a morte de Cristo, motivado pela paz decretada por Constantino, Imperador de Roma. Até então, o Cristianismo vivia nas catacumbas, locais onde eram celebrados todos os atos religiosos e se aprendia a religião de Cristo (Atos dos Apóstolos). Desde aquele era, a Igreja segue seu caminho através do mundo, pregando a doutrina de Jesus Cristo.
VII-SEPARAÇÃO DAS IGREJAS ORTODOXA E ROMANA
Preliminarmente, devemos evidenciar que a Igreja Ortodoxa nunca se separou de nenhuma outra Igreja. Ela permanece em linha reta desde Nosso Senhor Jesus Cristo e seus Apóstolos. Jamais se afastou, através dos séculos, da autêntica e verdadeira doutrina ensinada pelo Divino Mestre. Dela, separaram-se outras Igrejas, mas ela não se apartou nunca de ninguém ou da linha reta traçada por Jesus Cristo. A Igreja Ortodoxa é una, ontem, hoje e amanhã - é sempre a mesma. Cristo assinalou-lhe o roteiro a seguir, e ela o observou e cumpriu, sem arredar nunca do mandato de Cristo.
Triste e doloroso acontecimento na Igreja de Cristo foi a separação das Igrejas, Ortodoxa e Romana, que por mil anos permaneciam unidas. São múltiplas e complexas as causas; psicológicas, políticas, culturais, disciplinares, litúrgicas e, até dogmáticas. Todavia, é bem certo e historicamente demonstrado que a separação definitiva não se processou com o Patriarca Fócio, no século IX, nem com o Patriarca Miguel Celurário, no século XI (1054). Apesar das divergências havidas entre ambas as Igrejas, principalmente a questão do Filioque e dos Búlgaros, a unidade foi mantida. Os Patriarcas Orientais e Ocidental permaneceram em comunhão, ao menos parcial e, mesmo em Constantinopla, as Igrejas e mosteiros latinos continuaram existindo.
A divisão foi elaborada através de muitos séculos. A gestação desse fato histórico teve como verdadeira causa a pretensão de Carlos Magno (século VIII - ano 792) de contrair casamento com a Princesa Irene de Bizâncio e não conseguir seu objetivo. Ressentindo-se com a recusa, atacou os orientais, atribuindo-lhes erros que não tinham, nos livros chamados Carolinos, apoiado pelos teólogos da corte de Aix-la-Chapelle. Essa atitude prejudicou a fundo a vida entre ambas as Igrejas, não obstante haver o próprio Papa desaprovado a ocorrência.
A ruptura definitiva e verdadeira se produziu na época das Cruzadas, que foram totalmente nefastas às relações entre as duas partes da Cristandade. Os bispos orientais foram substituídos por latinos. O golpe de graça aos vestígios de unidade que ainda existiam foi dado, principalmente, pela famosa Quarta Cruzada, em 1198. A armada veneziana, que transportava os Cruzados para a Terra Santa, desviou-se até Constantinopla, e pôs sítio à "Cidade Guardada de Deus". Relíquias, museus, obras de arte, e tesouros bizantinos, saqueados pelos Cruzados para a Terra Santa, enriqueceram, inteiramente, todo o Ocidente. Até um patriarca veneziano, Tomás Marosini, apossou-se do assento de Fócio, de acordo com o Papa Inocêncio III.
A mentalidade do século XX, mesmo no Ocidente, não pode recordar-se, a não ser com profunda revolta e indignação, dos atos dos cruzados contra os fiéis da Ortodoxia neste infeliz Oriente, mormente em Constantinopla, no ano de 1204, quando lançaram o Imperador Alexe V do cume do Monte Touros, matando-o. Destituíram o Patriarca legal e autêntico, João e, no seu lugar, puseram um cidadão de nome Tomás Marosini. Em Antióquia, no ano de 1098, despojaram o Patriarca legítimo, João e, no seu lugar, puseram um de nome Bernard. Em Jerusalém, compeliram o Patriarca legal, Simão, a afastar-se da Sé e substituiram-no por um chamado Dimper.
Os abusos dos cruzados devem ser considerados, no mínimo, atos de inimizade, além de violação ao Direito. Vieram ao Oriente, alegando a "salvação dos lugares santos das mãos dos muçulmanos árabes", mas o objetivo era bem outro. Quando passaram por Constantinopla e ocuparam-na na terça-feira, 13 de abril de 1204, depois de um cerco mortífero que durou sete meses, ficaram deslumbrados com sua civilização e suas riquezas, atacaram seus pacíficos habitantes, assaltaram seus museus e "magazins", roubaram seus palácios e suas igrejas, destruíram a nobre cidade do Bósforo e incendiaram-na, depois de praticarem atos de rapina e pilhagem, não deixando nenhum objeto de valor ou utensílios de utilidade doméstica.
Os cruzados permaneceram em Constantinopla de 1204 a 1261, quando foram obrigados a evacuá-la, no dia 15 de agosto, festa da Assunção de Nossa Senhora, pelo General Alexe Estratigopolos, sob o governo do Imperador Miguel Paleólogos, que reconquistou a Capital. Depois, os cruzados foram definitivamente aniquilados na Palestina em 1291.
O cisma estava consumado e, apesar dos desejos e dos esforços conjugados nesse sentido, não houve nenhuma possibilidade de sanar a ruptura na vestimenta de Cristo até o dia de hoje. A esperança de união não logrou converter-se em feliz realidade, como todos anelavam. Essa ânsia motivou três concílios: de Bai, Apúlia, em 1098; de Leão, em 1274; e de Florença, entre 1438 e 1439. Infelizmente, porém, não se conseguiu, em nenhum deles, a ansiada união de todos os cristãos numa única Igreja, debaixo de uma só cabeça: Cristo. Somente Deus e as orações farão possível a união de ambas as Igrejas. Todos os esforços que se realizam atualmente em todo o mundo serão em vão e condenados ao fracasso se não se apoiarem na oração e no sacrifício. É necessário, inicialmente, que se eliminem e desapareçam totalmente os ataques, as pregações condenatórias e o tratamento de hereges e cismáticos prodigalizados, abundantemente, pela Igreja de Roma contra a Igreja Ortodoxa. (Após o último Concílio Ecumênico de Roma, cessaram-se os ataques contra a Igreja Ortodoxa e aos demais cristãos). É absolutamente imprescindível reconhecer que a Igreja Ortodoxa não é igual à ovelha desgarrada que vive no erro e nas trevas. Pedimos a Deus para que as palavras de Cristo, "um só rebanho guiado por um só pastor", sejam um dia, uma feliz realidade.
VIII-FIDELIDADE ORTODOXA
e a salvaguarda incólume da Fé a ela confiada
A Igreja Ortodoxa resguardou sem acréscimos e diminuições a Lei a ela confiada.
Em três ensejos, São Paulo recomendou ao discípulo Timóteo que resguardasse a fé, incólume e imaculada, tal como a recebera, dizendo-lhe:
"Eu te exorto diante de Deus... que guardes este mandamento sem mácula nem repreensão até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo" (I: VI-13 e 14).
"Timóteo! Guarda o que te foi confiado, evitando conversas vãs e profanas e objeções da falsa ciência, a qual tendo alguns professado, se desviaram da fé" (I: VI-20 e 21).
"Conserva o modelo de sãs palavras que de mim ouviste na fé e no amor que há em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito com o auxílio do Espírito Santo que habita em nós" (II: I-13 e 14).
Um comentarista das Epístolas proferiu o seguinte conceito:
Quem recebe um depósito, cumpre restituí-lo à pessoa que lhe confiou. O depósito não é propriedade do depositário; deve repô-lo, completo, sem diminuição e sem modificação. O depósito, que é a fé, é muito precioso por constituir um direito de Deus, revelado à humanidade. Cabe a todo crente e, especialmente, aos mestres, que sejam fiéis na guarda desse depósito e transmití-lo incólume e sem alterações àqueles que lhes sucederão.
Timóteo, o discípulo dileto do Apóstolo São Paulo que o sagrou Bispo de Éfeso, cidade situada no coração palpitante da Anatólia, era igual aos primazes orientais, guardiães dos conselhos dos mestres, que transmitiram aos sucessores sem nenhuma alteração. Os estudiosos da história do Oriente e os pesquisadores da verdade reconhecem que seus homens zelam o que a eles se confia, com todo o rigor, mormente quando o objeto confiado é uma questão de fé, relacionada com o que representa contas a serem prestadas no Dia do Julgamento.
Éfeso, que teve em Timóteo seu primeiro bispo, permaneceu durante longo tempo como a vanguarda do cristianismo. Nela se realizou o VI Concílio Ecumênico. Seus numerosos bispos contribuíram para a grandeza da Igreja, que deles se ufana através dos séculos. O Bispo Marcos, um dos seus sábios prelados, de atitudes nobres e corajosas na defesa do cristianismo, compareceu ao Concílio de Florença, em 1439, debateu, quase sozinho, sem medo e sem vacilação, com a maioria constituída de antagonistas, em defesa da fé a ele confiada pelos seus antecessores.
O bispo Marcos não era, no Oriente, o único prelado íntegro e leal, zeloso pela pureza da fé; mas, era uma daquelas numerosas e nobres personalidades. Bem assim, todas as deliberações dos Concílios Ecumênicos, arquivadas pela Igreja Ortodoxa, sem acréscimos ou diminuições, foram a maior prova e o mais santo testemunho da conservação da fé, sã e intata, na Igreja do Oriente.
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