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Escrito por Elias Araújo de Medeiros   
Qui, 18 de Julho de 2013 11:24


Trajectoria


Resplandecia o dia 10 de dezembro de 1944 quando o horizonte do meio dia ia fascinando com seu calor vibrante e abrasador, seguia-me uma imagem perfeita e constante de regressar a minha inesquecível cidade natal. Hoje, porém, passados 6 anos que foram decorridos eu resolvi recordar-me de alguns pontos de uma vida indesejável.


Na véspera do dia 10, um companheiro do mesmo edifício convida-me para viajar à procura de sua própria morada o que de bom tom aceitei, sem desconfiança ao qual, depois arrependeu-se e voltamos aflitos com receio de uma reprovação. Mas o silêncio e a pouca demora não foram observadas pelos nossos maiores e sim calmamente disfarçados.


Eis! Que chegou o dia fatal e resolvi sozinho e trapo perambular pelas ruas e vales para conseguir alguma escapula com que fosse bem sucedido e pudesse desabafar as saudades dos que me eram caros. Ao calor solar, viajava eu com a barriga bem prevenida e lá vou andando de alpercatão e descoberto. São 12 horas e o tempo corre e eu caminho subindo e descendo as dunas que circulam o litoral. Os arbustos estão ressequidos, algumas frutinhas aquosas mitigam a sede.


A noite vem. O matagal obscurece. A folhagem serve-me de cama e travesseiro. As formigas me guardam durante a noite. Eis que a aurora vem me despertar.


Rastejo minha chegada e procuro continuar a marcha sem perder a esperança de um vivente me confortar com água e alimento.


O dia vai-se passando, a tarde já vem, descubro agora a via férrea que leva a Nova Cruz. Sigo a passos largos, lá de longe avisto um vulto humano ao me encontrar, boa tarde, pergunta-me ele és indigente de onde vens, do pospício, estou te conhecendo vens fugindo. Parece que não amonçaste, não senhor, já faz mais de um dia que não como nem bebo onde se encontra água por aqui, lá mais adiante me acompanhe, por aí você será pegado não passa e aqui eu lhe ensino um caminho e você vai embora, que direção é a sua? A do Seridó, Caicó papai lá mora e os meus.


Em Nova Cruz também conheço gente ia para lá por ser perto. Não importa me acompanhe daqui ao Monte Alegre são duas léguas. Você vai até lá e peça para mandarem deixar-te no lugar que quiser. Sim senhor, passam das 3 horas mas vou dormir certamente por este lugarzinho. Acabo-me de sede, aquela casinha tem gente porém está fechada procure a traseira e fale que está aberta.


Chegando, vejo um velho e uma velha. Meu senhor, dê-me água que estou morrendo de sede.


Quatro copos bem grandes, bebi e fiquei caído no assento, está morto não vai embora, já diziam no semblante. Meu companheiro espera e eu não chego, volta a minha procura estou sentado, vamos disse ele e lá me vou. Tenho raspadura e farinha para você comer, pois não, quero.


Posamos à sombra de umas árvores à beira duma corrente.


Comi o que pude, a água quente serviu-me de refresco lavando os olhos e as mãos.

Adeus meu caro amigo, Deus o recompense já que eu não posso pagar, seja feliz são as nossas

despedidas.


Sozinho sigo, um campo de aviação. Os aviões sobem e descem, o sol faísca chamas caloríferas eu me amparo do sol nas encostas e passo alguns minutos observando os americanos, as pessoas que preambulam, os aviões que resplandecem.


Vou agora a uma casinha, senhora dê-me um copo d’água aqui não tem água custa Cr 3,00 uma lata. Apresenta-se neste momento um soldado ainda moço e se abraçam, meu filho voltaste Deus é que nos proteje, alegria é tanta que eu saio meio admirado.


Por umas ruas que estão perto, eu vou passando uns soldados chamam-me e interrogam vou fugindo do sanatório que é que leva? Coisa nenhuma. Respondem eles quem confessa sua culpa merece ser perdoado, deixe ir. Quer comer raspadura, comi a pouco Cr 1,00 botaram na mão.


Muito obrigado. Adeus!


Noite pavorosa. Uma estrada, bem transitada, adormeço em um dos aceiros e permaneço toda noite recebendo a poeira dos veículos que passam soprando com força explosiva.


No outro dia encontro um chapéu de palha quase novo, muito bem preciso e assim me cubro.


A noite encontro um bom cidadão que me deu dormida e refeição na própria mesa com toda a família.


Não quis rede e dormi no alpendre sobre umas esteiras para não dar cuidado as pessoas.


Cedinho saí vagarosamente encontrei uma cana na estrada que chupei em lugar do nosso café tão bem conhecido pela manhã.


Procuro as casas e me alimento com pão e água, pernoitando por onde escurece, quer ao ar livre quer as sombras das árvores ou mesmo nas próprias taperas que encontrava de portas abertas e desabitadas.


Assim vou caminhando por montes e vales traspassando as florestas virgens cujo obstáculo permite que eu caminhe de busto pelo chão, braças de distância.


O primeiro lugar que eu entrei foi na cidade de S. José de Mipibu, minha primeira lembrança foi ir à casa paroquial cujo vigário era Con. Pedro Paulino o qual me recebeu mal e com ameaças, o que me fez não procurar mais nenhum padre em todos os lugares que ainda passei.


Contudo recebi dele uma moeda de (1$000) mil réis, dizendo vá comprar alguma coisa e eu contente saí. Antes de atravessar as ruas numa choupana duas velhinhas me ofereceram caju e farinha e eu me satisfiz.


Um objeto de valor me deram já velho mas bem que me serviu foi um saco, nele levava farinha para o dia seguinte e só pedia aquela quantidade.


Raspadura comprava porque muita gente oferecia-me prata e mesmo vendi meu par de alpercatão que era novo e tinha feito muitos calos. Fiquei de pés descalços ao meio dia em ponto, certamente não me lembrava do sol que estava de abrasar tudo. Oh! Que estranheza, ao sentir meus pés queimados pelos terrenos arenosos mas se os calçados não podia recuperar, paciência! Os farrapos de panos que pude aproveitar serviram de sapatos em outros dias e chamaram atenção dos trabalhadores das minas do Dr. Tomaz em Currais Novos.


De Natal até Santa Cruz andei sempre perdido e só perguntava a direção do Seridó, sabendo o rumo acertaria com minha terra.


A segunda cidade conhecida foi Santa Cruz e daí em diante não deixei mais a central passando por Currais Novos, Acari e Jardim do Seridó onde um rapaz me conheceu e perguntou se eu havia sido seminarista ou se havia andado em Jardim ao qual me descartei que não.


De Santa Cruz em diante não me incomodei com nada, visto conhecer a estrada e a distância e nada me faltou mais, até doce comprei para comer a me fartar.


No Itans passei quase o dia para poder entrar em Caicó ao por do sol e justamente ao escurecer perguntava eu a uma vizinha e parenta quem mora nesta casa que está fechada? Pedro Adelino, respondeu e onde ele está? No Mundo Novo. Oh! Que alegria! Firmino chegou. Roupa para trocar. Água para me banhar.


E boa refeição em remate de tudo. Papai mandam chamar, as 10 horas chegou, a notícia espalhou-se e muitas visitas me apareceram. A palestra prolongou-se até alta noite e no outro dia um barbeiro me vem assear.


Julgo que está terminada minha trajectoria se alguma falta houve, sou eu mesmo o causador e a memória que falhou.


A todos quantos lerem esta narração lembrem-se que Deus é quem nos dirige e tendo fé, seremos capazes de atravessar o próprio oceano a pé firme.


Sem rumo, sem sustância e sem dinheiro viajei 19 dias de Natal a Caicó e cheguei com Cr 3,50 no bolso. Achas que com minhas próprias forças seria capaz de passar estes 19 dias nos bosques e nas selvas?


Abjuro hospício maldito onde só se ouve choro e ranger de dentes. És a forma mais perfeita do inferno que se fala nas Escrituras.


Ano de 1945, este período passo todo em companhia de meus prezados pais, auxiliando-os na labuta de cada dia.


Com força para o trabalho e disposto com as vicissitudes da vida, fiz neste ano um alicerce para seguir outra carreira de que vou me ocupar no ano de 46.


A economia sempre foi o há de ser a base da prosperidade, por isso nunca desencaminhei o que podia arranjar.


Se os vícios que dissipam nossos bens em mim são repelidos, não fazem pousada ou minha natureza não os abraça. Assim foi fácil de com pouco ganho aumentar o que não daria se quisesse gozar a mocidade.

Última atualização em Sáb, 20 de Julho de 2013 21:34